quarta-feira, 9 de setembro de 2009

“... em meu cérebro coágulos de sol”

     Enquanto alguns me perguntavam quando escreveria de novo por aqui, eu pensava: mas escrever sobre o quê?
     Primeiro, pensei que estava entupido: certamente vivi algum tipo de bloqueio, um nó, caí na minha própria cilada, não havia mais cruzes que eu pudesse carregar (às vezes eu não era mais digno de carregá-las, outras elas eram ou modestas demais para mim ou muitíssimo pesadas, impossíveis), não conseguia mais submeter meu corpo às surras das palavras, as palavras se foram afinal, talvez para a mítica Ilha de Retorno, que também não sai do papel... e isso já faz tantos séculos... O mundo deve ter acabado e eu não percebi, não consegui pegar minha carona de barco para Retorno a tempo, fiquei na beira do cais, o mundo se acabou de verdade, eu não percebi, não me lembro de absolutamente nada, e assim aconteceu, juro pelo que você quiser, palavra de esquizofrênico. Mas é que eram tantas as máscaras que precisava usar... que preguiça! Quanta indolência, quanto fastio, quanta aversão, quanto esquecimento... E além das máscaras existiam também as armaduras, muitas armas, coisa séria, e, como disse antes, as surras que as palavras sempre impõem, enquanto escrevo, aos meus dedos, meu corpo, depois aos meus olhos, aos olhos dos outros...
     Depois de me conformar que havia de fato entupido, procurei razões para continuar e principalmente para não mais fazer isso aqui, trabalho sujo, lidar com vômito, rastejar e recolher tudo o que poderia ser útil: palavras no chão, entre os tacos do chão, pelas ruas, e eu não conseguia nem recolher nem guardar nada; cada sensação, cada palavra sumia assim que eu tentava capturá-la: minha mão direita se aproximava, mas nada conseguia pegar. Foram meses de muita luta. E há também os problemas de sempre: escrever para quê?, para quem?, quem lê blogs hoje em dia?, quem lê de verdade hoje em dia?, o que isso aqui significa afinal?, meu exercício diário de egocentrismo?, expor minhas fraquezas assim, meu interior? – dei um basta sim, depois de pensar nisso tudo por um longo tempo.
     (Olhe, pode parecer um drama, mas assim é sempre melhor, acredite; coloco as costas da minha mão na testa e inclino a cabeça para trás. Um suspiro.)
     Certamente, o mundo não sentiu tanta falta assim dos meus devaneios. Eu tenho certeza de que não sentiu, não fiz e talvez não farei diferença para humanidade – estão vendo? Escrevo poucas linhas e já sonho influenciar o rumo da humanidade... O mal todo reside aí talvez. É preciso estar atento a essas ideias que rondam nossa cabeça enquanto escrevemos. Escrevo poucas linhas e já me exponho assim, ignorando sua opinião, seu desprezo pela minha luta, pensando apenas e tão-somente que agrado a você, que está em casa a essa hora, ou no trabalho, de madrugada ou na hora do almoço, a ler estas humildes palavras e a pensar aonde quero afinal de contas chegar
      Respondo: a lugar algum.
     Sempre percebemos algumas coisas repetidas vezes. Eu já sabia que escrevemos mesmo para absolutamente nada que não seja nos esvaziarmos: vomitar sangue, bile, ossos, dentes, virar do avesso, para poder deitar na cama e dormir tranquilos, de sorriso na cara, com a sensação de dever cumprido, o que chamam de sono dos justos. Eu já sabia disso. Mas soube hoje de novo. Ponto final, fim da questão, au revoir.


     Escrevi muita coisa neste tempo de recolhimento. Talvez poste algo aqui algum dia desses. Mas por enquanto tudo não passa de restos orgânicos: aquilo de que já lhe falei: vômito, saliva, vísceras... Ou seja: pura bobagem. E ah!, sim, sim, funciona mesmo, estou mais leve, mesmo que tenha escrito somente sobre escrever, sobre não escrever, sobre mim e o fim do mundo: essas bobagens.

14 comentários:

Schuabb disse...

Bom, só me resta lhe dar as boas vindas e desejar que volte a escrever em maior quantidade e com a qualidade se sempre. :)

Raios de Sol!!

Renan disse...

Querido, eu tenho na cabeça uma frase do Mário (acho que é dele) sobre esse lance da escrita. Mas não lembro de jeito nenhum. Anyway, apreciemos as boas novas: alguém volta a escrever. Bjus

marcio markendorf disse...

uma vez me perguntaram, depois de um mês sem escrever: sem paixão não há literatura?

na mesma hora eu soube que era verdade.

Fábio disse...

Olá!
Legal ver você de volta aqui. Você foi a pessoa que, a meu ver, melhor descreveu o ato de escrever.

Por mais que você julgue não fazer falta, uma coisa garanto. Sempre fará diferença ler pensamentos tão sinceros.

Abraços

Bruna Mitrano disse...

Vc soube escrever na hora certa.

Unknown disse...

Oi, Ric. Muitas saudades. Lendo o que você escreveu talvez sobre seu egocentrismo, lembrei do conceito de acolhimento. Segundo Derrida "abordar o Outro no discurso é acolher sua expressão em que ele ultrapassa a todo instante a idéia de que se poderia ter dele. É então receber do Outro para além da capacidade do eu; o que significa exatamente: ter a idéia do infinito. Porém isto significa também ser ensinado. A relação com o Outro ou o Discurso é uma relação não-alérgica, uma relação ética, porém este discurso acolhido é um ensinamento. Porém o ensinamento não retorna à maiêutica. Ele vem do exterior e me traz mais do que eu contenho."


Um beijo muito carinhoso.

Anônimo disse...

Oi, minha vida!
Nao sabes o quao feliz eu fiquei ao saber que vc havia decidido postar. Sei por td o que voce passou nesse tempo ausente de posts e de toda a sua luta nesse periodo. Voltar a escrever e a expor o que vc escreve simboliza dessa forma uma luta, uma vitória.
Parabens pelo texto, é realmente muito bonito...vc sabe que sou o seu fã número 1!
Torço agora pela maior constancia nos posts e que vc se inspire mais e mais e jorre toda a sua criatividade para nós que te admiramos...

mts bjs!!!

baby!

Tassia Karl disse...

Meu mago querido

"Sempre nos reconhecemos numa palavra" eu me vejo descrita pelas suas suas postagens.
Q bom q voltou a escrever seus desvaneios.

Fico na expectativa da constancia nas postagens!
Parabéns pelo texto.

beijos

Let disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Let disse...

Oi, Ricardo! Você não me conhece, mas desde 2008 venho acompanhando seu blog. Fui sua aluna (apesar de poucas aulas) na oficina de português da UERJ em 2008. O endereço do seu blog chegou até a mim através de um e-mail (daqueles que a gente manda para uma lista inteira).
Hoje, decidi deixar meu singelo comentário, pois este texto realmente me tocou. Você foi a primeira pessoa - depois da Clarice Lispector - que melhor descreveu o ato de escrever. Espero que continue dando sua contribuição através da sutileza das palavras e que não demore tanto a (re)postar desta vez. Parabéns pelo blog!
Estou com seguidora, qualquer hora faça uma visita!
Beijos!

Ricardo Bruch disse...

Vim parar aqui graças a uma visita no blog da Bruna Mitrano. Como você é meu homônimo achei engraçado que fosse escritor também. Gostei das coisas que escrevia, pena que aparentemente esse lugar está parado.
É isso.
Um abraço.
R.B.

Professora Gianna disse...

bobagens ou não, é o campo seântico de quem escreve por um algo que não é a perfeição e nem o enredo e nem personagens... um algo do vivo, em busca de uma voz gutural, sei lá...
eu vi umas coisas do carlito azevedo que tem tanto em comum com o que você diz...
enfim, muito boa a sensação de ter feito uma contribuição....
bjos uerjianos

Professora Gianna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Ricardo??? Caso vc veja me add no what1195432. 2700

Leitores

  © Blogger template Psi by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP